Cartografia do Universo Imaginado
O universo, antes de ser explicado pela ciência, foi imaginado, sondado e explicado pelas palavras, pelos mitos, pela busca de algo que sempre moveu o ser humano: conhecer. Conhecer a terra, o espaço, a história.
O universo inicialmente imaginado, foi investigado até desvendar-se diante daqueles que se entregaram no processo de conhecê-lo.
E não é porque a ciência o desvendou que o imaginado perde sua força...
O trabalho da artista Ursula Tautz apresenta questões relacionadas à memória e pertencimento vinculados ao tempo, história e lugar. Existe em sua pesquisa uma busca por referências de pertencimento e pela memória afetiva, considerada um lugar congelado no tempo. O mundo é visto por ela a partir da reflexão sobre as relações humanas contextualizadas numa espacialidade que vai além da dimensão física e abrange também as dimensões históricas e afetivas.
Nessa exposição individual, a artista apresenta sua mais recente pesquisa e propõe a reflexão sobre um universo imaginado, onde elementos que nos remetem à ciência se misturam à uma cartografia poética.
Entre prumos e rádicas, objetos e desenhos, somos convidados a entrar em contato com esses elementos poéticos de mapeamento do espaço, que não é simplesmente físico, parte do universo conhecido, mas principalmente, imaginado, pertencente a um universo intangível.
Universo esse, que sob o olhar da artista é alcançado pelo fruir, com tantas reflexões e relações quanto o ser humano é capaz de fazer.
Um espaço imaginado que se basta.
Uma incompreensão aceita, um mistério que persiste em sua existência como tal nessa tentativa de mapeamento, seja através dos universos-ilha ou nas cartografias de rádica.
Onde as redomas simbolizam um lugar protegido, alcançado apenas pela visão através da transparência.
Onde os prumos refletem a necessidade de tentar entender a terra no universo de maneira racional promovendo um contraste com a cartografia imaginada que as rádicas nos proporcionam.
Onde a rádica é essência, pois, além de ser um elemento imbuído de camadas de tempo, traz em si a identidade de ser origem, de simbolizar pertencimento ao mesmo tempo em que visualmente nos remete à imagem de um mapa, de geologia... algo que tem a força de ser raiz e ter gravado em si a mutabilidade ao longo de sua existência.
Objetos e cartografias que nos remetem ao lugar do cientista, aquele que olha com curiosidade, que busca respostas, que busca relações entre o que já sabe e o que ainda não desvendou... o olhar que prescruta o mundo à sua volta, que sonda o universo conhecido e o imaginado.
Levando a crer que é só por esse balanceamento de razão e imaginação é que se estabelece a reflexão sobre o espaço, o tempo e a memória, que contextualizados com as relações humanas, são capazes de gerar a sensação de pertencimento.
Gisele Bento Fernandes
Cartography of the Imagined Universe
Before being explained by science, the universe was imagined, probed and explained by words, by myths, by the search for something that has always moved human beings: knowledge. To understand the land, the space, the history.
The universe initially imagined, was investigated til beeing revealed for those who gave themselves in the process of understanding it.
And it is not because science has revealed it that what was imagined loses its strength ...
The work of the artist Ursula Tautz presents issues related to memory and belonging linked to time, history and place. In her research there is a search for references of belonging and for affective memory, considered a frozen place in time. The world is seen by her from the reflection on human relations contextualized in a spatiality that goes beyond the physical dimension and also covers the historical and affective ones.
In this solo show, the artist presents her most recent research and proposes a reflection on an imagined universe, where elements that refer us to science are mixed with a poetic cartography.
Between plumbs and radics, objects and drawings, we are invited to get in touch with these poetic elements of space mapping, which is not simply physical, part of the known universe, but mainly, imagined, belonging to an intangible universe.
This universe, which under the artist's eye is achieved by fruition, with as many reflections and relationships as the human being is capable to do.
An imagined space that is enough by itself.
An accepted incomprehension, a mystery that persists in its existence as such in this attempt to map, either through the island universes or in radica cartographies.
Where the dome symbolizes a protected place, reached only by sight through transparency.
Where the plumbs reflect the need to try to understand the earth in the universe in a rational way, promoting a contrast with the imagined cartography that the radics provide us.
Where radic is essential, because, in addition to being an element imbued with layers of time, it carries with it the identity of being origin, of symbolizing belonging at the same time that visually refers to the image of a map, of geology ... something that has the strength to be root and to have recorded in itself the mutability throughout its existence.
Objects and cartographies that take us back to the place of the scientist, the one who looks with curiosity, who seeks answers, who seeks relationships between what he already knows and what he has not yet unveiled ... the look that prescribes the world around him, which searches the known and imagined universe.
Leading to believe that it is only by balancing reason and imagination that reflection on space, time and memory is established, which, when contextualized with human relationships, are capable to generate belonging feelings.
Gisele Bento Fernandes
Mobility - immobility
A residence is to artist whata a lab is to scientists; a place that encourages experimentation and allows new projects to take form.
Since 2015, Echnageur22, in Saint-Laurent des Arbres, invites French, Japanese, Brazilian and Korean artists to both live and create together in a shared space for several weeks. As the days pass and they get to know their surroundings, meetings happen, connections are made, relationships are built between the artists' respective cultures and the region.
The title "Mobility immobility" suggests that the time and space of the exhibition is a kind of snapshot, recording a moment in the process of exchnage, the flow of ideas that is central to the Echangeur22 project.
The works-in-progress presented here were created as part of the fifth edition of the residency by French duo Comma, Japanese artist Shusuke Nishimatsu, South Korean artist Sanghee Noh, and Ursula Tautz, who lives and works in Brazil.
The bells that rythmically mark out village's memories ( Ursula Tautz)...........are so many starting points for a series of imaginary journeys, which in turn interrogate popular culture, the flow of time.....
Installed at the Chartreusse for the duration of the exhibition these works record the instant in time when the nearby and the faraway come together, a singular of a process of research and of open , mobile creati
Viviana Birolli
Mobilidade - imobilidade
Uma residência é para um artista o que um laboratório é para cientistas; um local que incentiva a experimentação e permite a criação de novos projetos.
Desde 2015, Echnageur22, em Saint-Laurent des Arbres, convida artistas franceses, japoneses, brasileiros e coreanos para viver e criar juntos em um espaço compartilhado por várias semanas. À medida que os dias passam e eles conhecem o ambiente, as reuniões acontecem, as conexões são feitas, as relações são construídas entre as respectivas culturas dos artistas e a região.
O título "Mobilidade imobilidade" sugere que o tempo e o espaço da exposição são uma espécie de instantâneo, registrando um momento no processo de troca, o fluxo de idéias que é central no projeto do Echangeur22.
Os trabalhos em andamento apresentados aqui foram criados como parte da quinta edição da residência da dupla francesa Comma, artista japones Shusuke Nishimatsu, artista sul-coreano Sanghee Noh e Ursula Tautz, que vive e trabalha no Brasil.
Os sinos que marcam ritmicamente as memórias da vila (Ursula Tautz) ........... são tantos pontos de partida para uma série de jornadas imaginárias que, por sua vez, interrogam a cultura popular, o fluxo do tempo ... .
Instaladas no Chartreusse durante a duração da exposição, essas obras registram o instante em que o próximo e o distante se reúnem, um processo singular de pesquisa e de criação aberta e móvel.
Viviana Birolli
Campo Dormitório
São apenas camas, são apenas objetos de madeira, tecido, metal e plástico que vemos como uma cama. E é um convite.
Um convite ao descanso, um convite ao momento horizontalizado de ser no mundo.
Um convite para nada fazer.
Uma ativação de sono, de descanso, mas ativa como meditação, algo nos fala a estar atenta, estar presente, pensar, ainda que sonhar.
O trabalho, trabalhar, para ativar, o que está no entorno.
Trabalho de arte que nos faz mover através do movimento de deitar.
Não me conte nada, preste atenção, estamos aqui.
Campo dormitório. Para que os sonhos venham depois de sair. Um convite para sair a partir de um conforto, de questionar o que é conforto, de onde podemos colocar o valor do descanso, da qualidade de quanto queremos estar aqui no mundo.
Não importa a cidade, não importa a forma, não importa o material, importa a verdade. Vamos deitar.
Keyna Eleison
Dormitory Camp
They are just beds, they are just objects of wood, fabric, metal and plastic that we see as a bed. And it is an invitation.
An invitation to rest, an invitation to the horizontal moment of being in the world.
An invitation to do nothing.
An activation of sleep, of rest, but active as meditation, something tells us to be attentive, to be present, to think, even if we dream.
Work, work, to activate, what is around.
Art work that makes us move through the movement of lying down.
Don't tell me anything, pay attention, we're here.
Dormitory Camp. So that dreams come after leaving. An invitation to leave a state of comfort, to question what is comfort, where can we put the value of rest, the quality of how much we want to be here in the world.
It doesn't matter the city, it doesn't matter the shape, it doesn't matter the material, it matters the truth. Let's go to bed.
Keyna Eleison
Fluidostática
Ursula Tautz, inspirada no universo do Palácio do Catete, ocupa agora o espaço interno da Galeria do Lago com a instalação Fluidostática, pensada especialmente para o local. A arte contemporânea, instigante e com narrativa própria, dialoga com a história do país, permitindo reflexões que perpassam o poder e o equilíbrio, o medo e a sedução, o passageiro e o permanente.
O balanço, objeto poético utilizado pela artista em muitos dos seus trabalhos, traz em si o conceito de movimento, de impulso controlado, de liberdade lúdica. Mas quando Ursula posiciona os balanços em um espaço restrito, inibindo seu movimento natural, modifica sua função primeira e direciona o foco das atenções para o inverso. Na instalação, o equilíbrio estático é necessário para que a tinta dos jarros não se espalhe. Qualquer ação descontrolada pode levar a um derramamento de tinta. A tinta azul de escrever, das canetas tinteiro, das assinaturas, das cartas e declarações. Os presidentes que passaram pelo Palácio do Catete deixaram suas marcas em tinta azul de caneta tinteiro. O poder assinou e redigiu, com tinta azul, declarações de guerra, cartas de despedida, leis e decretos. Qualquer desatenção podia levar a um derramamento de sangue. Um fluido sempre escorre quando forças deformantes lhe são aplicadas. Tinta, água, sangue são fluidos, substâncias que devem estar em movimento para resistir a forças aplicadas externamente.
Fluidostática é o estudo estático dos fluidos. Ursula Tautz escolheu assim nominar a mostra de sua arte. O projeto Fluidostática apresenta através da tinta de escrever uma metáfora sobre o poder, um jogo de equilíbrio frágil e perigoso, silencioso e sedutor que habitou o Palácio do Catete.
Em Ursula vislumbramos a inquietação e a procura incessante por seu lugar de ser e estar. A busca por raízes que possam fixar o que insiste em voar, como balanços. O habitar e o pertencer são questões que permeiam a obra dessa artista que sempre experimentou um deslocamento, uma sensação de ser estrangeira em sua própria terra. Mas que também, ao criar, se deixa envolver pela poética de ser brasileira.
Isabel Sanson Portella
Fluidostatic
Ursula Tautz, inspired by the universe of Palácio do Catete, now occupies the internal space of Galeria do Lago with the installation named Fluidostatic, designed especially for the place. The contemporary art, instigating and with its own narrative, dialogues with the country's history, allowing reflections that permeate power and balance, fear and seduction, the passing and the permanent.
The swing, a poetic object used by the artist in many of her works, brings with it the concept of movement, of controlled impulse, of playful freedom. But when Ursula positions the swings in a restricted space, inhibiting their natural movement, she modifies their primary function and directs the focus of attention to the opposite. In the installation, static balance is necessary so that the paint in the jars does not spread. Any uncontrolled action can lead to an ink spill. Blue writing ink, fountain pens, signatures, letters and statements. The presidents who passed by the Catete Palace left their marks in blue ink from a fountain pen. The government signed and drafted declarations of war, farewell letters, laws and decrees in blue ink. Any inattention could lead to bloodshed. A fluid always flows when deforming forces are applied to it. Ink, water, blood are fluids, substances that must be in motion to resist to externally applied forces.
Fluidostatics is the static study of fluids. Ursula Tautz thus chose to name the exhibition of her art. The Fluidostatics project presents, through the ink of writing a metaphor about power, a fragile and dangerous, silent and seductive balance game that inhabited the Catete Palace.
In Ursula we glimpse the restlessness and the constant search for her place of being. The search for roots that can fix what insists on flying, like swings. Dwelling and belonging are issues that permeate the work of this artist who has always experienced displacement, a feeling of being foreign in her own land. But who also, when creating, gets involved by the poetics of being Brazilian.
Isabel Sanson Portella
Sólidos e Fluidos
"Ursula Tautz vem desenvolvendo experiências artísticas vivamente interessada nos conceitos de memória e narrativa. Os trabalhos apresentados em distintos meios e categorias, tais como objetos, filmes, desenhos tornam-se componentes para a ocupação dos espaços tendendo ao uso da instalação. Em certos caminhos, Ursula pensa a história dos lugares e projeta-se sobre as mesmas. Assim, vemos a artista se relacionar com a paisagem, de lugares estrangeiros, mas que são de algum modo, parte de uma história familiar, ainda que tais histórias venham configurar uma memória pessoal não vivida, mas, sim, transmitida pela oralidade de seus ancestrais.
Na exposição Fluidostática, realizada na Galeria do Lago, no Museu da República, Rio de Janeiro, a artista se dedicou às contradições do imaginário palaciano, austero, mas que, ao mesmo tempo, se cerca de um imenso jardim. Temos, as visões da própria condição da modernidade, pastoral e urbana, austera e fluida, como sólidos que não resolvendo as dicotomias (burguesia e proletariado, poder e direito), se desmanchassem no ar, parafraseando Marshall Berman. Com isso, o poder, as normas e leis decididas e firmadas interessaram à artista, pois se está ocupando um palácio que fora do governo, residência de um Presidente da República, quando o Rio era a Capital Federal.
Ursula, então, se dedica a pensar os estados da matéria, os sólidos e fluidos. Assim, lança mão de objetos e líquidos sígnicos e cênicos, como balanços, vidros e tinta de caneta. Toma-se a decisão de ocupar a galeria com 18 balanços, onde pousam grandes vasilhames de vidro preenchidos pelo azul diluído da carga de caneta. As associações são variadas, a primeira e mais direta se liga ao uso da assinatura, da firma, do gesto de se promulgar e impor e, ao mesmo tempo, da garantia de presença e poder exercida nas regras exercidas, segundo Foucault, nas extremidades, muitas vezes “ultrapassando as regras de direito”. Em outra medida, a presença dos balanços nos incita o pensamento das incertezas, do gesto infantil, do momento em que não se controla o corpo, mas, se aceita o risco, o torpor. Inevitável pensarmos nos azuis de Yves Klein e no Alviceleste de Márcia X.
De tudo, fica evidenciado, na produção de Ursula Tautz, as forças contrastantes, lidando com pesos e flutuações, o repouso do corpo e o movimento e a velocidade do brinquedo. Estamos diante de iminências, ameaças, prenúncios, ainda que a obra nos forneça belas imagens."
Marcelo Campos
Solids and Fluids
"Ursula Tautz has been developing artistic experiences keenly interested in the concepts of memory and narrative. The works presented in different media and categories, such as objects, films, drawings become components for the occupation of spaces tending to use installations. In certain ways, Ursula thinks the history of the places and projects herself on the same. Thus, we see the artist relate to the landscape, from foreign places, but that are somehow part of a family history, even if such stories come to form a personal memory not lived, but transmitted by the orality of her ancestors .
In the Fluidostatic exhibition, held at the Lake Gallery, in the Republic Museum, in Rio de Janeiro, the artist devoted herself to the contradictions of the palatial imaginary, austere, but at the same time, surrounded by a huge garden. We have the visions of the very condition of modernity, pastoral and urban, austere and fluid, as solids that do not solve the dichotomies (bourgeoisie and proletariat, power and law), to break up in the air, paraphrasing Marshall Berman. With this, the power, rules and laws decided and signed were of interest to the artist, since she is occupying a palace that belonged to the government, the residence of a President of Republic, when Rio was the Federal District.
Ursula, then, is dedicated to think the states of matter, the solids and fluids. In this way, she makes use of objects and signs and scenic liquids, such as swings, glasses and pen ink. The decision is made to occupy the gallery with 18 swings, where large glass containers filled by the diluted blue of the pen load land. The associations are varied, the first and most direct is linked to the use of the signature, the signature, the gesture of promulgating and imposing and, at the same time, the guarantee of presence and power exercised in the rules exercised, according to Foucault, at the extremities, often "bypassing the rules of law". In another measure, the presence of the swings incites us to the thought of uncertainty, of the infantile gesture, of the moment when the body is not controlled, but accepts the risk, the torpor. Inevitably, we should think of the blues of Yves Klein and of Marcia X's Alviceleste.
Of all, it is evidenced in the production of Ursula Tautz, the contrasting forces, dealing with weights and flutuations, the rest of the body and the movement and speed of the plaything. We are faced with imminence, threats, foreshadowing, even if the work provides us with beautiful images."
Marcelo Campos